A recuperação judicial

A recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária

Neste artigo da série sobre a Lei 11.101/2005, vamos abordar a evolução histórica da empresa e sua importância para a sociedade, bem como os princípios que a abrangem.

Lei 11.101/2005

A Lei 11.101 foi publicada e entrou em vigor no ano de 2005. Trata-se de um marco no que diz respeito à empresa e o tratamento recebido por esta. Sendo assim, é necessário, primeiramente, entender o desenvolvimento do Direito Empresarial dentro do Brasil, sua aplicação e visão estabelecida. Interessante, nesse sentido, é iniciar a partir do Código Civil, pois foi com a adoção da Teoria da Empresa que mudanças significativas sobre esta ocorreram.

O Novo Código Civil é inspirado no perfil do Código Civil Italiano de 1942, portanto, no que se refere ao Direito de Empresa, trouxe uma nova perspectiva ao incorporar a Teoria da Empresa, uma teoria Italiana, que substituiu a Teoria dos Atos de comércio.

Com a Teoria da Empresa como base do capítulo do Novo Código Civil que trata do Direito de empresa, o requisito para a classificação das sociedades passou a ser a organização dos fatores de produção para exercer a atividade econômica de forma que busque a produção ou circulação de bens ou serviços. Desta forma, as sociedades que têm uma atividade econômica organizada e que visam a produção ou circulação de bens são classificadas como Sociedades empresárias, enquanto as que não exercem uma atividade econômica organizada, ou seja, não exercem a atividade empresarial, são classificadas como Sociedades Simples.

Entretanto, tal classificação trata de sociedade e não de empresa. Por mais que seja comum a confusão, é preciso explicitar a diferenciação entre elas. O Novo Código Civil não conceituou empresa, mas definiu empresário, sendo quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços, como consta no Art. 966 do CC:

Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.

Portanto, como o conceito de empresa não está presente no ordenamento jurídico brasileiro, coube a interpretação do Art. 966 do CC pelos doutrinadores para se chegar próximo do que seria este. De acordo com Requião, “a empresa, (…), apresenta-se como um elemento abstrato, sendo fruto da ação intencional de seu titular, o empresário, em promover o exercício da atividade econômica de forma organizada”.

Desta forma, empresa, como dito anteriormente, é a promoção da atividade econômica de forma organizada. Já a sociedade seria a pessoa jurídica de direito privado, ou seja, a união de pessoas que buscam explorar uma atividade com intuito econômico. No mesmo sentido segue o pensamento de Campinho:

(…) podemos definir a sociedade, sob o pressuposto da pluralidade de sócios, como o resultado da união de duas ou mais pessoas, naturais ou jurídicas, que, voluntariamente, se obrigam a contribuir, de forma recíproca, com bens ou serviços, para o exercício proficiente de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados auferidos nessa exploração (sociedade pluripessoal).

Diante dos conceitos apresentados, há possibilidade da existência da sociedade sem que haja de fato a empresa, ou seja, a sociedade passa a existir, regularmente, a partir do momento em que seus atos constitutivos são inscritos na Junta Comercial. Entretanto, se a atividade em si não é iniciada, não haveria a empresa. Assim, a existência da empresa ocorre somente quando o objeto começar a ser explorado.

Após apresentada a diferença entre empresa e sociedade, é possível compreender que a empresa (atividade) não é aquela que tem a personificação, mas sim o titular da empresa. Em outras palavras, a sociedade tem a personificação, tem personalidade jurídica própria, passando a responder por seus atos na força de seu patrimônio, não atingindo, em regra, o patrimônio dos sócios, ou seja, os sócios não respondem pessoalmente com seus bens por atos da sociedade. A personalidade jurídica, por sua vez, é adquirida através da inscrição dos atos constitutivos da sociedade de acordo com a previsão em lei.

Nesse seguimento, há o artigo 45 e 985 do Código Civil, que dizem:

Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.
Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular a constituição das pessoas jurídicas de direito privado, por defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação de sua inscrição no registro.
Art. 985. A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos
Em vista disso, a sociedade toma as decisões concernentes à empresa e as consequências voltam à ela. Assim, a sociedade passa a ser detentora de direitos e obrigações.

Com a elucidação breve de tópicos como o conceito de empresa, de empresário, a diferença entre empresa e sociedade e a personificação desta última, ambos presentes na temática do Novo Código Civil e a adoção da Teoria da Empresa, é possível dar seguimento à evolução da importância da empresa.

Ainda no que tange à parte histórica, a adoção da Teoria da Empresa foi apenas um passo inicial. A empresa, aos olhos da comunidade, era vista como fonte de renda, como forma de obter lucro e movimentar a economia. Ela, em si, não era importante, mas sim o lucro, o dinheiro.

Diante de tal importância, o fato de um empresário não ter condições de arcar com as dívidas se tornou algo muito severo, levando a comunidade a acreditar que o devedor deveria ser punido, pois, contavam que através das punições ele viria a quitar seus débitos. Sendo assim, ao redor de todo o mundo foram criadas leis, de acordo com seu tempo e costumes, que aplicavam punições aos devedores.

Posteriormente mudanças sociais envolvendo o direito também aconteceram e a área empresarial foi uma das afetadas. A visão sobre a empresa foi mudando ao longo do tempo após essas mudanças sociais. Quando houve uma maior movimentação na economia e no mercado, observou-se que a empresa não se resumia apenas ao lucro, ela possuía também um papel social. Nesse sentido, as modificações realizadas alteraram o olhar sobre a empresa, e o princípio da função social, que antes era utilizado apenas relacionado a propriedades, foi estendido de forma que incluiu a empresa.

A função social, quando aplicada sobre a propriedade, condizia com a busca pela utilização correta daquele espaço territorial, de forma que se justificasse a detenção daquela propriedade. Quando o princípio da função social passou a ser aplicado a empresa, não ocorreu de forma diferente.

Ao se adotar um olhar extra instituto, pode-se perceber que a atuação e a falência da empresa atingem não somente os credores, mas também os trabalhadores. A empresa afeta também o Estado por conta da arrecadação de impostos e o próprio devedor (seja uma sociedade ou o empresário individual).

Dado o exposto, observou-se que a severidade com que a insolvência fora tratada, ao ponto de existir norma, inclusive, de esquartejamento como punição, não seria mais adequada. Com isso, as leis foram alteradas considerando-se as necessidades da sociedade naquele momento. A falência já não era entendida como algo infamante, mas como uma proteção aos credores, como expõe Wesley Pereira:

(…) como hodiernamente é sabido, a falência é um instituto que visa a preservação dos direitos dos credores para, de fato, receberem os valores que o devedor (falido) está obrigado a pagar e possui cunho inegavelmente patrimonial, não ofendendo a moral do devedor, apesar das consequências suportadas pelo empresário.
No Brasil, a situação não foi diferente do restante do mundo. Primeiro, houve uma visão da falência sendo um crime contra credores. Posteriormente, ela foi entendida como uma forma de proteger os credores para que eles recebessem aquilo que lhes era devido.

No início, na nação brasileira não havia a recuperação judicial em si, o que existia eram os institutos da concordata e da falência. A concordata, no entanto, consistia na sucessão da moratória, ou seja, na possibilidade dada ao devedor de aumentar o prazo para adimplir com suas dívidas.

As duas modalidades da concordata existentes na época eram a suspensiva e a preventiva. A primeira modalidade consistia no pedido de um prazo de até 5 anos, durante o processo de falência, para que o devedor pudesse quitar suas dívidas, enquanto isso ele teria acesso novamente a seus bens e poderia administrá-los da maneira que achar conveniente. Já a segunda modalidade referia-se à possibilidade de o devedor tentar adimplir com suas dívidas antes mesmo da ação de falência. Vale ressaltar que a concordata na modalidade preventiva poderia ser realizada extrajudicialmente, mas ao final deveria haver a homologação pelo juízo, enquanto que a concordata na modalidade suspensiva estaria desde o início sub judice.

Entretanto, interessante aludir que, por mais que os institutos presentes no Brasil fossem a concordata e a falência, a modalidade preventiva da concordata só foi incluída através do Decreto 917/1890. Porém a permanência desta no ordenamento jurídico brasileiro permaneceu apenas sendo judicialmente, tendo o fim da extrajudicial através da Lei 2.024/1902.

Em 1945 foi editado o Decreto-lei 7.661, através do qual a concordata seria concedida, pelo juiz, àqueles que cumprissem os requisitos legais. O poder então foi retirado dos credores, ficando apenas nas mãos do magistrado, uma vez que este poderia conceder ou não a concordata. Wesley Pereira relata que:

(…) em 1945 foi editado o Decreto-lei 7.661 que trouxe consideráveis alterações, a concordata suspensiva e a aprovação prévia dos credores deixaram de existir, passando, assim, a concordata a ser uma benesse concedida pelo juiz ao devedor honesto e de boa fé. Portanto, desde que atendidos os requisitos legais, a concordata seria obtida e com a sua integral satisfação, a empresa poderia retomar seus negócios, recuperando a sua estabilidade econômico-financeira.
Entretanto, como abordado anteriormente, com a mudança dos contextos socio-históricos, algumas visões são alteradas e o imperioso aperfeiçoamento ou adequamento das normas à necessidade da atualidade se torna crucial, principalmente no que está relacionado ao mercado, uma vez que a crise que ocorria na época em relação à economia foi superada e o Brasil conseguiu triunfar sobre a inflação.

Além disso, pertinente comentar que se pôde compreender que a atividade empresarial não é isolada de tudo, mas ligada a diversos fatores externos que podem auxiliá-la ou prejudicá-la. Como citado por Yuri Guimarães:

A atividade empresarial é o exercício da atividade econômica e seu desenvolvimento depende de diversos fatores, entre eles políticos, jurídicos e sociais, e é através desta atividade que ocorre a produção e a circulação de bens e serviços. E, como toda atividade econômica, está sujeita a diversos efeitos que podem contribuir para seu crescimento e o exercício normal de suas atividades, mas também a situações adversas que levam a crises econômico-financeira ou até mesmo ao estado de insolvência.
Desse modo, notou-se que o Decreto-lei 7.661/1945 já não era mais adequado àquela época e ao que se buscava, visto que o crescimento econômico estava em pauta e a função social da empresa era algo observado, ou seja, a recuperação das empresas foi vista como algo mais vantajoso (desde que fossem passíveis de recuperação). Yuri Guimarães relata que:

No Decreto-lei Nº 7661/1945, os procedimentos de falência e concordata, corriam como ações comuns, sem a necessária intervenção do Estado, a empresa que fracassasse perdia toda a sua reputação que muitas vezes levou anos para adquirir, no novo sistema, o governo reconheceu que as empresas são essenciais para a economia, e que merecem crédito, pois exerce função social, o que contribui para o bem comum.
Tendo isso em vista, a Lei 11.101/2005 veio incorporando a atualização necessária à época no Direito Empresarial. A concordata do plano existente foi substituída pela recuperação da empresa, sendo esta anterior à decretação da falência.

Entretanto, cabe ressaltar o fato de que as empresas que obtinham processo de concordata ou falência, anteriores a vigência da Lei 11.101/2005, foram concluídos segundo o teor do Decreto-lei 7.661/1945. Inclusive, o Art. 192 da LREF aborda este assunto.

A Lei de Recuperação de Empresas e Falência estipulou dois tipos de recuperação: judicial e extrajudicial. A recuperação extrajudicial da empresa sendo aquela que ocorre fora do poder judiciário, é a faculdade dada ao credor e devedor de realizarem um acordo entre eles, entretanto, este acordo deve ser realizado em observância à lei e homologado pelo juízo posteriormente. A recuperação judicial, por sua vez, ocorre em juízo, ou seja, o juiz estará presente durante o decorrer do processo.

Desta forma, devido ao entendimento da importância da atividade empresarial na sociedade, a recuperação foi considerada mais apropriada do que a falência, isso dependendo da situação da empresa e da função social que ela acarreta. Alexandre Ferreira de Assumpção Alves aborda justamente a transformação da visão sobre a atividade empresarial e a necessidade de preservação dela ao falar que:

A atividade empresarial desempenha uma função socioeconômica de extrema importância para o desenvolvimento de uma nação. A partir dela, circulam riquezas, geram-se empregos, a propriedade e a posse recebem uma destinação produtiva, e dá-se dignidade ao ser humano que, ao desenvolver seu ofício, cumpre parte de seu papel na engrenagem social.
Sendo a empresa essa verdadeira força motriz que impulsiona o desenvolvimento social e econômico, criou-se uma visão dogmática de que a empresa precisaria ser preservada a todo custo. Afinal, orbitam em torno da atividade empresarial múltiplos interesses, como os do empresário, dos credores, dos trabalhadores, do Fisco, das famílias beneficiadas dos frutos da empresa, da comunidade onde a atividade é desenvolvida e, porque não, do próprio Estado. (…).
Enquanto isso, Carolina Dorneles Pisani demonstra o que a lei 11.101/05 visa proporcionar e o que a recuperação judicial objetiva:

A Lei 11.101, de 09.02.2005, trouxe um novo conceito às empresas que passam por crises econômico-financeiras, afastando-se do mero pedido de concordata, para estabelecer todo um regramento apto a reestrurar a devedora, permitindo que esta, acaso demonstrada sua viabilidade econômica, possa retomar suas atividades empresariais.
O objetivo da recuperação judicial, nos termos de sua lei de regência (art. 47 da Lei 11.101/2005), é o de viabilizar a superação da crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, dessa forma, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
Yuri Guimarães afirma ainda que:

A Recuperação Judicial é um mecanismo que visa auxiliar as empresas e empreendimentos que se encontram em dificuldades financeiras a superarem a crise, com especial preocupação para a manutenção da fonte produtora, a preservação da empresa e de sua função social, bem como a garantia dos interesses dos credores. (…) A nova lei prima pela negociação preserva o interesse dos credores, a empresa como fonte geradora de lucro, o emprego dos trabalhadores, ao mesmo tempo em que visa proteger o consumidor final quando trata da viabilidade da empresa, essa é a diretriz da lei, todos os procedimentos abarcados pela nova lei objetiva colocar em patamar de igualdade os interesses das partes, a fim de que não haja privilégios a uns e prejuízos a outros (…).

Em conformidade com as falas dos autores acima, a recuperação teve o objetivo de ajudar a empresa a resolver sua situação de crise e garantir a continuidade da exploração de seu objeto, isso sem ignorar os demais indivíduos que compõem a outra parte da relação (os trabalhadores, os credores, o Estado e o próprio consumidor final).

Nesse sentido, é de percepção que a Lei de Falências e Recuperação Judicial engloba todo o pensamento e visão que surgiram após a superação da crise econômica, algo que se pode perceber pelo Art. 47 da Lei, que discorre sobre a função social e a preservação da empresa, não sendo sequer necessária a interpretação do mesmo para perceber isso, como mostra a seguir:

Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
Entretanto, a recuperação não cabe a todos os casos, pois nem todas empresas são aptas, visto que trariam mais ônus a sociedade (Estado e restante dos indivíduos que compõem a recuperação) com essa tentativa. Por este motivo, outro conceito incluído na Lei 11.101/2005 foi o da viabilidade.

No caso, o Art. 53 da mesma lei, em seu inciso II, explicita a necessidade de demonstrar a viabilidade econômica no plano de recuperação que o devedor apresentar, conforme mostra a seguir:

Art. 53. O plano de recuperação será apresentado pelo devedor em juízo no prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial, sob pena de convolação em falência, e deverá conter:
I – discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregados, conforme o art. 50 desta Lei, e seu resumo;
II – demonstração de sua viabilidade econômica; e
III – laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada.
Parágrafo único. O juiz ordenará a publicação de edital contendo aviso aos credores sobre o recebimento do plano de recuperação e fixando o prazo para a manifestação de eventuais objeções, observado o art. 55 desta Lei.
Ainda no que tange à manutenção da empresa, no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais o relator de um caso reconhece que a Lei 11.101/2005 tem o princípio da preservação da empresa como um norte, o que fica claro de acordo com tudo o que foi explicado anteriormente e conforme é mostrado no julgado a seguir:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL – PARTICIPAÇÃO EM PROCEDIMENTO LICITATÓRIO- DISPENSA DE CERTIDÃO NEGATIVA DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL- POSSIBILIDADE- PRECEDENTES DO COL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA- PRESENTES OS REQUISITOS AUTORIZADORES DA MEDIDA DE URGÊNCIA- RECURSO DESPROVIDO.
1. A Lei nº 11.101/2005 possui como norte o princípio da preservação da empresa, em atenção à finalidade econômica e social do instituto da recuperação judicial.
2. A jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça vem se firmando no sentido de flexibilizar a regra contida no art. 52, inciso II da Lei nº 11.101/2005, a fim de tornar viável a recuperação judicial, admitindo a dispensa de certidões negativas para as empresas em recuperação judicial contratarem ou manterem contratos já firmados com o Poder Público. Precedentes.
3. Presentes os requisitos autorizadores da medida de urgência, deve ser mantida a r. decisão concessiva agravada.
4. Recurso a que se nega provimento. (TJMG – Agravo de Instrumento-Cv 1.0477.11.001338-0/001, Relator(a): Des.(a) Sandra Fonseca , 6ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 20/09/2016, publicação da súmula em 30/09/2016)
Desta maneira, entende-se que a Lei 11.101/2005 foi sancionada com o intuito de atualizar o ramo do direito empresarial. Ela tem, dessa forma, o princípio da preservação da empresa como norte, principalmente por causa da função social da empresa. Porém, busca a manutenção da atividade profissional economicamente organizada desde que seja possível a recuperação desta, demonstrando a necessidade de viabilidade econômico-financeira.
Como ficou aparente, o Princípio da Função Social da empresa, o Princípio da Preservação da Empresa e o conceito de empresa viável são tópicos de extrema importância. Ressalta-se, no entanto, que eles foram tratados de forma superficial neste primeiro momento, porém, serão aprofundados a seguir.

Princípio da Função Social

A Função Social, analisada de forma mais simples e menos criteriosa, refere-se ao olhar que se tem sobre um bem, uma ação, levando em consideração a vontade da sociedade, da comunidade. Um olhar que enxerga além do bem ou da ação em si, mas observa o que isso reflete nos interesses dos outros ao redor, da coletividade. Trata-se de um olhar extra instituto. Logo, percebe-se que a função social seria uma forma daquele bem exercer as finalidades estabelecidas para ele e, além disso, ter um olhar extra instituto, sabendo que, realizando as finalidades para as quais foi estabelecido, também estará indo de acordo com a coletividade. Nesse mesmo sentido segue Davi Farizel:

Deste modo você já pode visualizar que tudo, não só no direito, atende a função social na medida em que serve a sociedade ao dar cumprimento às suas finalidades, assim como nós cumprimos uma função social na medida em que desenvolvemos nossas potencialidades no nosso meio (…).
Inicialmente, a Função Social se referia à propriedade, conforme o inciso XXIII do Art. 5º da Constituição Federal expõe:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;
Entretanto, a Função Social, que antes era voltada apenas para a propriedade, também passou a abranger o ramo do direito empresarial. Ora, tal mudança não ocorre por ingenuidade, mas porque a empresa, a atividade que explora o objeto, produz efeitos perante toda a coletividade, seja diretamente ou indiretamente.

Essa mudança proporcionou uma maneira de olhar não somente para o comércio, mas também para os que de alguma forma são atingidos, como o próprio Estado no que tange a impostos, ou os trabalhadores, que através de seu salário retiram o sustento para sua família. Outro exemplo é o meio ambiente e como ele é afetado com a exploração do objeto da empresa (a empresa também tem de se adequar de forma prevista em lei relacionada ao meio ambiente e sua atuação para de fato cumprir sua função social). Segundo Ana Frazão.

A função social da empresa é importante princípio e vetor para o exercício da atividade econômica, tendo em vista que o seu sentido advém da articulação entre os diversos princípios da ordem econômica constitucional. Longe de ser mera norma interpretativa e integrativa, traduz-se igualmente em abstenções e mesmo em deveres positivos que orientam a atividade empresarial, de maneira a contemplar, além dos interesses dos sócios, os interesses dos diversos sujeitos envolvidos e afetados pelas empresas, como é o caso dos trabalhadores, dos consumidores, dos concorrentes, do poder público e da comunidade como um todo. Dessa maneira, a função social da empresa contém também uma essencial função sistematizadora do ordenamento jurídico, sendo adensada por intermédio de normas jurídicas que têm por objetivo compatibilizar os diversos interesses envolvidos na atividade econômica ao mesmo tempo em que se busca a preservação da empresa e da atividade lucrativa que assim a qualifica.
No que se refere aos tribunais, começaram a surgir entendimentos de acordo com a determinada função social incluída no ramo empresarial, entendimentos esses que deixaram claro a importância de manter uma empresa que seja viável e que essa cumpra sua função social, como no julgado a seguir:

Mandado de Segurança tendo por autoridade coatora o Juízo de Direito da 1ª Vara da Comarca de Itaperuna que proferiu decisão, nos autos da Recuperação Judicial, deferindo o processamento, em conjunto da recuperação judicial da empresa Laticínios Marília com o empresário agrícola Juarez Quintão Hosken, apesar de reconhecer que este não estava registrado na junta há mais de dois anos, por entender que compunham um grupo econômico de fato. Rejeição da preliminar de decadência suscitada pelas Recuperandas. Embora a lei 11.101/05 não tenha disciplinado a formação de litisconsórcio ativo na recuperação judicial, tal possibilidade é amplamente aceita pela doutrina e jurisprudência, inclusive deste egrégio TJ, mormente, quando a recuperação judicial é requerida por sociedades empresárias que integram um mesmo grupo econômico, de fato ou de direito. Litisconsórcio expressamente previsto no art. 46 do CPC/73, atual 113 do CPC/2015, que estabelece: “Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente”. Pedido de formação de litisconsórcio pelas recuperandas evidentemente fundamentado no inciso I, do referido art. 46 (atual 113), que trata da hipótese de litisconsórcio quando “houver comunhão de direitos e obrigações relativamente à lide”. Simbiose entre as atividades comerciais das Recuperandas que denota a existência de grupo econômico de fato entre as mesmas. Apesar do tema do litisconsórcio ativo na recuperação judicial não ter sido contemplado na lei de regência e, ainda ser pouco tratado na doutrina, a jurisprudência vem admitindo sua formação, especialmente, em Câmaras Especializadas em Direito Empresarial do TJ/SP. Competência do Juízo em se processa a recuperação judicial, onde está localizado o principal estabelecimento da 1ª Recuperanda, nos termos do artigo 3º da Lei 11.101/2005. Conceito de estabelecimento principal que não se confunde, com o de sede, que é o domicílio do empresário individual eleito e declarado perante o Registro Público de Empresas Mercantis no ato do requerimento de sua inscrição ou o da sociedade empresária, declinado em seu contrato social ou estatuto no mesmo Registro arquivado. O estabelecimento principal é a sede administrativa, ponto central de negócios do empresário onde são realizadas as operações comerciais e financeiras de maior vulto ou intensidade, concentrando suas principais atividades. Jurisprudência do STJ e deste Tribunal. Previsão do Código Civil no sentido da facultatividade de inscrição do produtor rural no órgão do Registro de Comércio. Existência de entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que ao produtor rural deve ser deferida a recuperação judicial, desde que comprove o exercício de atividade econômica por, no mínimo, dois anos, ainda que o seu registro na junta comercial tenha ocorrido há menos tempo. Inteligência do art. 48, § 2º, da Lei nº 11.101/05: “tratando-se de exercício de atividade rural por pessoa jurídica, admite-se a comprovação do prazo estabelecido no caput deste artigo por meio da Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica DIPJ que tenha sido entregue tempestivamente.” Admissão pela Lei de Recuperação e Falência de que se prove o exercício da atividade rural por outro meio, que não a inscrição dos atos constitutivos na Junta Comercial. Jurisprudência das Câmaras Reservadas de Direito Empresarial do TJ/SP. Ainda que a questão ainda não tenha sido pacificada pela jurisprudência, convém prestigiar o posicionamento mais liberal, que melhor se amolda ao princípio da preservação da empresa estampado na Lei nº 11.101, de 09/02/2005, concebida com o objetivo de prestigiar a classe empresarial, mediante o reconhecimento da função da propriedade e a função social da empresa, estabelecendo que “a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômica-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.” (art. 47, da Lei nº 11.101 , de 09/02/2005). Denegação da ordem (TJ-RJ – MS 0032941-71.2018.8.19.0000, Rel: Des(a). CARLOS EDUARDO MOREIRA DA SILVA, Data do Julgamento: 06/11/2018 – VIGÉSIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL).
Ainda no mesmo sentido:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DECISÃO AGRAVADA QUE CONVOLA A RECUPERAÇÃO JUDICIAL EM FALÊNCIA. INSURGÊNCIA DA FALIDA. REJEIÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL EM ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES. PLEITO RECURSAL PARA A APROVAÇÃO DO PRJ SER SUPRIDA JUDICIALMENTE (CRAM DOWN) NA FORMA DO ART. 58, §§ 1º E 2º DA LEI DE REGÊNCIA. PRESENÇA DOS REQUISITOS OBJETIVOS EXIGIDOS: a) aprovação pela maioria dos créditos presentes, independentemente de classes; b) aprovação em pelo menos duas classes, nos termos do artigo 45, se a assembleia tiver sido composta por três classes, ou por uma classe se no encontro deliberativo somente duas fizeram-se presentes, observando-se que nas classes II e III também haverá duas contagens, de credores e de créditos; c) a classe que houver rejeitado, ter o plano obtido mais de um terço de votos, de acordo com a regra do artigo 45, ou seja, se for o caso mais de um terço na contagem por crédito; d) não implicar tratamento diferenciado entre os credores da classe que houver rejeitado o plano. NECESSIDADE DE APRECIAÇÃO DE REQUISITOS SUBJETIVOS COMO DESEMPENHO DA FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA. “Se o plano tiver sido rejeitado pela assembléia geral de credores, o juiz deverá decretar a falência. Não obstante, o magistrado tem o poder de impor o plano, evitando o decreto falencial, se reconhecer o desempenho de função social pela empresa em crise. […] Logo, a imposição do plano rejeitado pelos credores em assembléia não se constitui em um ato de vontade absoluta do juiz, mas vinculado a alguns critérios objetivos. Somente com a presença de todos esses requisitos, poderá o juiz examinar, de forma subjetiva, se a empresa é estrategicamente importante no seu contexto social”. (Luiz Inácio Vigil Neto, Em Teoria falimentar e regimes recuperatórios: estudos sobre a Lei n. 11.101/05, Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008, pp.172-173). INEXISTÊNCIA. REPRESENTANTE LEGAL DA EMPRESA FALIDA QUE DURANTE O TRÂMITE DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL ALIENA BACIA LEITEIRA, CEDE MAQUINÁRIO E LOCAL DAS ATIVIDADES EMPRESARIAIS A TERCEIROS SEM A DEVIDA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. AUSÊNCIA DE PEDIDO DE PARCELAMENTO DE DÉBITO FISCAL MILIONÁRIO QUE NÃO ESTÁ SUBMETIDO AO REGIME DA RECUPERACIONAL. PREPONDERANTE PARTE DO ACERVO PATRIMONIAL DA RECUPERANDA/FALIDA QUE REPRESENTA GARANTIA DE DÉBITOS, QUE NÃO SERVIRÃO PARA LIQUIDAR A DÍVIDA DE TERCEIROS. ENCERRAMENTO DAS ATIVIDADES NA DATA DA PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA QUE DECRETA A QUEBRA. MOTIVAÇÃO SUFICIENTE A INVIABILIZAR A CONCESSÃO DO “CRAM DOWN”. PRECEDENTES. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. REJEIÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL PELOS CREDORES. CONVOLAÇÃO DA RECUPERAÇÃO EM FALÊNCIA. “CRAM DOWN”. IMPOSSIBILIDADE. CASO CONCRETO. 1. A decisão de rejeição do plano de recuperação judicial tomada pelos sócios em Assembleia Geral de Credores é soberana, podendo o Juiz impor sua aprovação somente na hipótese de preenchimento dos requisitos previstos no art. 58, §§1º e 2º, da Lei n. 11.101/2005, inocorrente na espécie. 2. Rejeição da alegação de nulidade da AGC. Ausência de indícios de irregularidade na conduta do Sr. Administrador Judicial, bem como de abusividade dos votos dos credores que decidiram pela rejeição do plano. 3. Empresa com atividades encerradas desde maio de 2017. Convolação da recuperação judicial em falência. Manutenção da decisão recorrida. RECURSO DESPROVIDO. (TJRS, Agravo de Instrumento n. 70075902296, 5ª Câmara Cível, Relatora Des. Lusmary Fátima Turelly da Silva, julgado e m 28.3.2018) SENTENÇA ESCORREITA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 0150632-73.2015.8.24.0000, de Ipumirim, rel. Des. José Maurício Lisboa, 1ª Câmara de Enfrentamento de Acervos, j. 27-02-2019).
Conforme as ementas apresentadas acima, decisões voltadas à possibilidade de superação da situação de crise econômico-financeira se aproximam mais do princípio da preservação da empresa que está impresso na LREF. Desta forma, há mais interesse em manter a empresa de forma que esta possa cumprir sua função social. Pois, através do funcionamento da empresa promove-se um bem maior para a coletividade, enquanto o encerramento desta afeta diversos setores da sociedade.

Princípio da Preservação da Empresa

Assim como se tratou sobre a Função Social da empresa, cabe abordar também o Princípio da Preservação da Empresa, uma vez que ele é extremamente importante dentro da recuperação judicial.

A Função Social da Empresa remete ao olhar extra instituto, ou seja, um olhar que analisa o que a empresa promove para a comunidade através de sua atividade. O Princípio da Preservação da Empresa trabalha concomitantemente com a função social, uma vez que esse princípio preza pela preservação da empresa justamente por aquilo que ela promove à comunidade, visto que, dependendo da viabilidade, manter a atividade de exploração é mais vantajoso do que o encerramento da empresa e as prováveis consequências.

Desta forma, a Lei de Recuperação Empresarial, Lei nº 11.101/2005, incorporou tanto o Princípio da Preservação da Empresa, como o da Função Social da Empresa e o postulado de que a recuperação deve ocorrer para as empresas viáveis. Nesse sentido, Adriana Valéria Pugliesi mostra uma das formas em que o Princípio da Preservação da Empresa é aplicado dentro da recuperação judicial quando diz:

A LRE adotou o princípio da preservação da empresa na recuperação judicial ao promover a criação de um ambiente estruturado de negociação entre o devedor e a maioria de seus credores. Realmente, o sistema permite que o devedor alcance uma solução ao seu estado de crise econômico-financeira mediante proposição de um plano aos credores sujeitos ao processo de recuperação judicial.
A regra da preservação da empresa foi positivada no Art. 47 da Lei 11.101/05 e, após isso, a obediência a essa regra seria imperativa. O Art. 47 da Lei 11.101/05 prevê que:

Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
De acordo com Francisco Satiro, “o princípio da preservação da empresa evidencia-se na recuperação judicial pela circunstância de não se exigir aprovação do plano por todos os credores a ele sujeitos, mas tão somente de uma maioria prevista em lei”. Pugliesi avança no mesmo entendimento:

O princípio da preservação da empresa, na recuperação judicial, manifesta-se, repita-se, pela imposição do plano aos credores ausentes e dissedentes. Leia-se: todos os credores sujeitos ao procedimento serão compulsoriamente atingidos pelos efeitos do plano, desde que alcançadas as maiorias deliberativas previstas na lei; o que pressupõe, na contrapartida, que o plano do devedor seja suficientemente atrativo para compor algum dos quoruns exigidos na LRE, seja aquele previsto no Art. 45, seja o do Art. 58, § 1º (cram-down).
Os artigos 45 e 58, § 1º da LREF ostentam os seguintes quóruns, consecutivamente:

Art. 45. Nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial, todas as classes de credores referidas no art. 41 desta Lei deverão aprovar a proposta.
§ 1o Em cada uma das classes referidas nos incisos II e III do art. 41 desta Lei, a proposta deverá ser aprovada por credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes à assembléia e, cumulativamente, pela maioria simples dos credores presentes.
§ 2o Nas classes previstas nos incisos I e IV do art. 41 desta Lei, a proposta deverá ser aprovada pela maioria simples dos credores presentes, independentemente do valor de seu crédito.
§ 3o O credor não terá direito a voto e não será considerado para fins de verificação de quorum de deliberação se o plano de recuperação judicial não alterar o valor ou as condições originais de pagamento de seu crédito.
Art. 58. Cumpridas as exigências desta Lei, o juiz concederá a recuperação judicial do devedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credor nos termos do art. 55 desta Lei ou tenha sido aprovado pela assembléia-geral de credores na forma do art. 45 desta Lei.
§ 1o O juiz poderá conceder a recuperação judicial com base em plano que não obteve aprovação na forma do art. 45 desta Lei, desde que, na mesma assembléia, tenha obtido, de forma cumulativa:
I – o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembléia, independentemente de classes;
II – a aprovação de 2 (duas) das classes de credores nos termos do art. 45 desta Lei ou, caso haja somente 2 (duas) classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos 1 (uma) delas;
III – na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de mais de 1/3 (um terço) dos credores, computados na forma dos §§ 1o e 2o do art. 45 desta Lei.
§ 2o A recuperação judicial somente poderá ser concedida com base no § 1o deste artigo se o plano não implicar tratamento diferenciado entre os credores da classe que o houver rejeitado.
Diante do exposto, nota-se que a aprovação do plano não carece de 100% da aceitação dos credores de cada classe, mas da aprovação da maioria deles, o que, segundo a fala de Satiro apresentada acima, comprova o princípio da preservação da empresa. Uma vez que, através dele que há fundamentação para esse quórum de aprovação.

Bruno Marques Bensal Roma enxerga o princípio da preservação da empresa na aprovação do plano através do Cram Down quando afirma que:

O instituto capitulado no art. 58 da LREF (Lei de Recuperação de Empresa e Falência) permite que a recuperanda, com a autorização do juízo, em favor do princípio da recuperação da empresa, ao alcançar ao menos duas classes credores (e um terço de seu quantum absoluto) se dê a liberdade de se recusar a negociar com os demais credores.
Conforme apresentado na fala de Roma, a liberdade de não negociar com o restante dos credores, porque determinado quórum já foi obtido, é permitida justamente em prol do princípio que busca preservar a empresa, seguindo, portanto, o posicionamento de Satiro.

No que se refere ao Tribunal, assiste o julgado:

APELAÇÃO CÍVEL. EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DECISÃO AGRAVADA QUE PRORROGA, PELA TERCEIRA VEZ, O PRAZO DE SUSPENSÃO DAS AÇÕES E EXECUÇÕES EM FACE DA RECUPERANDA. EM SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS, É POSSÍVEL A PRORROGAÇÃO DO PRAZO DE 180 DIAS, A FIM DE VIABILIZAR A CONSECUÇÃO DOS OBJETIVOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL, ENTRETANTO, TAL PRORROGAÇÃO NÃO PODE (E NEM DEVE) SER DEFERIDA INDEFINIDAMENTE. NO PRESENTE CASO, EMBORA A PRORROGAÇÃO JÁ TENHA SIDO DEFERIDA POR DUAS VEZES, O CONTEXTO FÁTICO EVIDENCIADO NOS AUTOS DO PROCESSO ORIGINÁRIO, NÃO TRADUZ QUALQUER AGIR DESIDIOSO DAS RECUPERANDAS NO CUMPRIMENTO DE SEUS DEVERES. RECORRENTE QUE SE LIMITA A POSTULAR A APLICAÇÃO DA LETRA FRIA DA LEI, A QUAL, CONSOANTE A INTERPRETAÇÃO CONFERIDA PELO STJ, HÁ DE SER OBTEMPERADA COM O PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. INTELIGÊNCIA DO ART. 6º, §4º C/C 49, §3º DA LEI Nº 11.101/2005. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
(TJRJ; Agravo de Instrumento 0058604-22.2018.8.19.0000; Relator (a): Des(a). Myriam Medeiros Da Fonseca Costa; Quarta Câmara Cível; Data do Julgamento: 30/01/2019)
No mesmo sentido:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DECISÃO AGRAVADA QUE ARBITROU A REMUNERAÇÃO DO ADMINISTRADOR JUDICIAL EM 4% (QUATRO POR CENTO). INCONFORMISMO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. A PAR DA COMPLEXIDADE DO TRABALHO A SER REALIZADO, CONSIDERANDO A RESPONSABILIDADE DA FUNÇÃO E A NATUREZA DAS ATRIBUIÇÕES, TEM-SE QUE NÃO EXISTE JUSTIFICATIVA PARA SE MANTER A REMUNERAÇÃO TAL COMO FIXADA, SOB PENA DE OS ENCARGOS VIREM A SER POR DEMAIS ONEROSOS PARA A SOCIEDADE EMPRESÁRIA EM RECUPERAÇÃO, EM DETRIMENTO DOS SEUS CREDORES, E TAMBÉM DO FATO DE QUE, EFETIVAMENTE, O JUÍZO A QUO NÃO ESTIPULOU DE QUE FORMA DAR-SE-IA O PAGAMENTO AO ADMINISTRADOR JUDICIAL POR ELE NOMEADO. INOBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA, VEZ QUE INDUBITÁVEL QUE, SE A SOCIEDADE EMPRESÁRIA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL TIVER QUE DISPOR DE TÃO ALTO NUMERÁRIO APROXIMADAMENTE R$ 609.622,00 (SEISCENTOS E NOVE MIL SEISCENTOS E VINTE E DOIS REAIS) E DE UMA SÓ VEZ, TAL COMPROMETERÁ AS SUAS ATIVIDADES. ACORDO POSTERIOR AO PRESENTE RECURSO, CELEBRADO ENTRE A RECUPERANDA E O SEU ADMINISTRADOR, QUE NÃO PROSPERA, PORQUE CABE AO JUIZ DA RECUPERAÇÃO ARBITRAR A REMUNERAÇÃO DO ADMINISTRADOR JUDICIAL. REFORMA, EM PARTE, DA DECISÃO AGRAVADA, PARA FIXAR A REMUNERAÇÃO DO ADMINISTRADOR JUDICIAL EM 1,5% (UM E MEIO POR CENTO) SOBRE OS CRÉDITOS SUBMETIDOS À RECUPERAÇÃO JUDICIAL, A SEREM PAGOS EM 24 (VINTE E QUATRO) PARCELAS MENSAIS. RECURSO PROVIDO.
(TJRJ; Agravo de Instrumento 0054344-96.2018.8.19.0000; Relator(a): Des(a). MARIA ISABEL PAES GONÇALVES; Segunda Câmara Cível; Data do Julgamento: 30/01/2019)
Perante as decisões provenientes do TJRJ, observa-se que o entendimento que prevalece é o de que não há como tomar decisões considerando apenas a letra fria da lei, no que se refere à recuperação da empresa. Isso porque o correto é aplicar uma ponderação, uma interpretação levando em conta o princípio da preservação da empresa diante de cada decisão.

Em vista disso, resta claro a importância do princípio da preservação da empresa dentro da Lei 11.101/2005, que trata da recuperação e falência, uma vez que a empresa tem uma função social importante no contexto da comunidade (tanto aquela ao redor, quanto a mais remota, que por algum motivo possa ser afetada). Desta forma, dependendo da empresa, é melhor que haja a preservação de sua atividade.

Entretanto, é válido ressaltar que, por mais que o Princípio da Preservação da Empresa seja importante, ou seja, que o sentido social da análise sobre a empresa também seja importante, tudo deve ocorrer dentro dos parâmetros legais, a fim de que não haja uma violação à lei apenas por buscar o que se entende como favorável para a comunidade. Portanto, os quóruns previstos na lei são de extrema importância, não podendo o juiz simplesmente decidir de livre e espontânea vontade pela recuperação da empresa sem a observância dos artigos 45 e 58 da Lei de Recuperação de Empresas e Falência.

Uma exceção presente é o caso de abuso de direito relacionado ao voto do credor na assembleia, conforme Adriana Valéria Pugliesi aponta, “o voto do credor que é contrário ao plano de recuperação somente pode ser considerado abusivo se, como acima referido, houver infração ao ideal de igualdade de tratamento entre credores dentro da mesma classe ou subclasse em que se insere”.

Entretanto, interessante comentar que o TJSP tem posicionamento divergente de Pugliesi, pois o entendimento deste tribunal é o de que a inserção de subclasse de credores para beneficiar fornecedores de bens e serviços não é ilegal ou abusivo. Nesse sentido, apresenta-se o julgado do TJSP:

Agravo de instrumento – Recuperação judicial Plano aprovado por assembleia de credores – Verificação de sua legalidade pelo Poder Judiciário Possibilidade Inconformismo do credor a respeito do deságio excessivo nas classes dos credores com garantia real e quirografários, sem a incidência de correção monetária e juros de acordo com a variação do CDI, assim como em relação às cláusulas que versaram sobre a alienação do passivo sem anuência dos credores e a suspensão das ações promovidas contra as recuperandas Alegação de tratamento desigual de credores da mesma classe – Provimento, em parte, para desconstituir a homologação, determinada a apresentação de novo plano (no prazo de 60 dias) que estabeleça parâmetros legais de aceitação para pagamento dos créditos regularmente constituídos, com a inserção dos juros legais (art. 406 do CC) e correção monetária, considerada inadmissível a taxa de juros anteriormente aprovada pela variação do CDI – Fica mantido o estabelecimento de condições diferenciadas de pagamento entre as subclasses de credores nos termos do entendimento sacramentado por esta Câmara Reservada de Direito Empresarial – Declarada, ainda, nula a cláusula que determinou a extinção/suspensão das ações existentes contra os coobrigados da recuperanda, da cláusula que determinou a venda de bens do ativo permanente das agravadas sem prévia autorização judicial e dos credores e da cláusula que previu prazo de pagamento superior ao biênio legal.
(TJSP; Agravo de Instrumento 0081342-82.2013.8.26.0000; Relator (a): Enio Zuliani; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Pirassununga – 1ª. Vara Judicial; Data do Julgamento: 29/08/2013; Data de Registro: 30/08/2013)

A Empresa Viável

Mesmo com a existência na Lei 11.101/05 do Princípio da Preservação da Empresa e da Função Social da Empresa, cabe ressaltar a viabilidade da empresa em ser recuperada, pois, usar o instituto da recuperação em todas as empresas não seria algo eficaz se analisado pelo lado financeiro-econômico, nem pelo lado da confiabilidade no mercado.

É preciso que a atividade econômica estruturada tenha, no mínimo, condição econômico-financeira de ser recuperada. Essa condição é estipulada porque uma empresa sem viabilidade econômico-financeira para se reerguer provavelmente não conseguirá efetivar sua recuperação, e isso promove maior ônus do que bônus para o Estado, para os credores e para a comunidade em geral. Nessa perspectiva, quando não se tratar de empresa viável, a falência é a melhor opção.

Nesse sentido, Pugliesi reza que:

Não é demais lembrar que tanto doutrina – quanto jurisprudência são uníssonas ao proclamar que a recuperação judicial não se destina a qualquer devedor, mas àquele que demonstre viabilidade econômico-financeira – ou seja, cuja manutenção justifique-se pelo cumprimento de um interesse social: o de manter atividade econômica produtiva e saudável no mercado.
A solução da crise das empresas pela via da recuperação judicial deve ser substituída pela falência sempre que o agente econômico não se demonstre viável, apreciação que se dará, conforme o caso concreto, e com a apresentação de um plano que atenda aos interesses de credores em quórum mínimo de adesão exigido pela LRE para concessão de recuperação judicial. São os credores que decidem pela viabilidade (ou não) do devedor. Por outras palavras, o conceito da viabilidade da empresa em crise, como já se disse, não encontrará regra hermética ou definição pré-fixada, mas resulta da análise do caso concreto (…).
Assim, Adriana Valéria Pugliesi versa sobre como chegar a viabilidade de uma empresa, sendo:

Na recuperação judicial, a viabilidade econômico-financeira do devedor resulta exatamente do encontro do ponto de equilíbrio entre: (i) a possibilidade de saneamento da empresa (com base em um plano apresentado pelo devedor, e (ii) o grau de sacrifício que será imposto aos credores, desde que o plano seja atrativo a ponto de atingir as maiorias legais necessárias a sua aprovação.
No mesmo sentido segue o posicionamento do Tribunal, mostrando que, no que tange à viabilidade econômica, cabe a Assembleia Geral de Credores verificar a proposta contida no plano apresentado pelo devedor. Entretanto, no que está relacionado à legalidade, cabe ao juiz avaliar e julgar:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECUPERAÇÃO JUDICIAL – PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL – HOMOLOGAÇÃO – CONTROLE DE LEGALIDADE PELO JUDICIÁRIO – POSSIBILIDADE – VIOLAÇÃO AO ART. 49 DA LEI Nº 11.101/05 – PRAZOS E CONDIÇÕES DE PAGAMENTO – APROVAÇÃO PELA ASSEMBLEIA DE CREDORES – CONTROLE DE VIABILIDADE ECONÔMICA – IMPOSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
– O Poder Judiciário não tem competência para controlar a viabilidade econômica do plano, que deve ser analisada pelos próprios envolvidos no processo de recuperação judicial, e chancelada com a aprovação do Plano pela Assembleia Geral de Credores, respeitando-se o poder negocial dos credores e da recuperanda.
– O Poder Judiciário tem competência apenas para exercer juízo de legalidade, fiscalizando a classificação correta de cada credor e o respeito à isonomia entre eles.
– A existência de cláusula que contém previsão expressa de proibição de cobrança de crédito dos avalistas, fiadores, coobrigados e garantidores após a homologação do plano, vai de encontro ao disposto no art. 49, da Lei n.º 11.101/05.
– Inexiste qualquer ilegalidade no que tange ao período de carência estipulado para início dos pagamentos e à inexistência de previsão de incidência de juros, uma vez que o Plano de Recuperação Judicial foi devidamente aprovado em Assembleia Geral de Credores, devendo-se respeitar o princípio de preservação da empresa, e da soberania da Assembleia.
– Recurso parcialmente provido.
(TJMG – Agravo de Instrumento-Cv 1.0024.16.057905-8/020, Relator(a): Des.(a) Kildare Carvalho, 4ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 07/02/2019, publicação da súmula em 08/02/2019)
A decisão de Tribunal diverso demonstra o mesmo posicionamento de que a análise da viabilidade deve ser realizada pelos credores, enquanto a legalidade, até mesmo aquela que circunda a análise da viabilidade e a possível aprovação ou não do plano de recuperação apresentado pelo devedor, deverá ser analisada pelo juiz:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCESSÃO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. REGULARIDADE DO PLANO APRESENTADO. UTILIZAÇÃO DOS MEIOS DE RECUPERAÇÃO ENUNCIATIVAMENTE PREVISTOS EM LEI. POSSIBILIDADE JURÍDICA DE DESÁGIO PARA SATISFAÇÃO DO PASSIVO. ALONGAMENTO DA DÍVIDA. EQUALIZAÇÃO DE JUROS. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. INEXISTÊNCIA DE RESTRIÇÃO A CONVOLAÇÃO EM FALÊNCIA. 1. A parte agravante se insurge contra a decisão que concedeu a recuperação judicial à empresa agravada, sob o argumento de que o plano apresentado contém irregularidades, inclusive com a incidência de deságio explícito dos valores de pagamento, parcelamento excessivo, cláusulas de suspensão e de condicionamento para decretação da quebra. 2. Releva ponderar, ainda, que a existência de deságio sobre os créditos sujeitos à recuperação judicial, bem como de período de carência para incidência de juros não importa em qualquer irregularidade, pois está de acordo com o disposto no art. 50, incisos I, IX e XII, da Lei n. 11.101/2005. Ou seja, é juridicamente possível a concessão de prazos para pagamento do débito, a novação objetiva com deságio da dívida, bem como a equalização de juros com a redução e mesmo carência para satisfação destes, podendo o plano conter estas e outras condições para equacionar o passivo da empresa recuperanda e prosseguir a atividade empresarial desta. 3. Ressalte-se que cabe ao Poder Judiciário aferir sobre a regularidade formal do processo decisório da Assembleia de Credores, se esta foi realizada de forma adequada e foram atendidos os requisitos legais necessários para tanto. Ainda, deve se levar em conta a viabilidade econômica da empresa de cumprir o plano aprovado, bem como se há a imposição de sacrifício maior aos credores, para só então proferir decisão que homologa o plano de recuperação ou não, pressupostos que foram atendidos no caso dos autos. 4. Ademais, o princípio da preservação da empresa, insculpido no art. 47 da Lei 11.101/2005, dispõe que a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação daquela, sua função social e o estímulo à atividade econômica. 5. Assim, observadas as peculiaridades do caso em análise, restaram preenchidos os requisitos legais atinentes à concessão da recuperação judicial, em consonância com o princípio da preservação da empresa, norte balizador presente na novel lei da insolvência corporativa, logo, deve ser mantida a decisão que concedeu a recuperação judicial. 6. Ainda, é de se destacar que a recuperação judicial se trata de um favor creditício, de sorte que deve prevalecer o princípio da relevância do interesse dos credores, ou seja, a vontade majoritária destes no sentido de que o custo individual a ser suportado pelos mesmos é menor do que o benefício social que advirá à coletividade com a aprovação do plano de recuperação. Decisão que serve para preservar a atividade empresarial, em última análise, o parque industrial ou mercantil de determinada empresa, bem como os empregos que esta mantém para geração da riqueza de um país. 7. Portanto, a decisão assemblear é soberana e somente os credores podem definir quanto à aprovação do plano de recuperação ou não, de sorte que presente os requisitos formais, o Judiciário não pode impedir o curso da recuperação estabelecida pelo consenso entre os credores, nem aqueles que restaram vencidos nesta decisão podem se opor indevida e injustificadamente ao benefício concedido pelos demais titulares de créditos. Dado parcial provimento ao agravo de instrumento. (Agravo de Instrumento Nº 70079486460, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luiz Lopes do Canto, Julgado em 27/03/2019, Publicado em 02/04/2019)
Portanto, só é possível concluir que a empresa é viável ao estudar cada caso em particular. Entretanto, são os credores que decidem pela viabilidade ou não da empresa, não cabendo ao juiz a análise da viabilidade. Ao juiz cabe a análise da legalidade, ou seja, avaliar se foram preenchidos os requisitos legais estipulados. Em consonância com a análise da legalidade pelo juiz, diz Bruno Marques Bensal Roma:

Ainda que o juiz não possa interferir na análise da viabilidade do plano, não pode permitir a aprovação (homologando) de planos que não se adequem às exigências da lei, não só do ponto de vista do direito concursal, mas também do ponto de vista do
que qualquer plano de pagamento de dívida propõe: (i) tempo de pagamento, (ii) forma de pagamento, e (iii) eventual desconto, se aplicável. Com efeito, a aprovação do plano, quer pela assembleia geral de credores, quer pelo cram down, tem por consequência a novação dos créditos (arts. 360 e ss. do CC), de modo que também as exigências da novação devem ser observadas pelo juiz.
Não são todas as empresas que devem ser recuperadas. Para que a recuperação seja concedida, diversos fatores devem ser analisados, estando entre eles a viabilidade. Nos casos em que a empresa não possui viabilidade para a recuperação, esta não deve ser outorgada, porém, deve-se optar pela falência. Tentar pela recuperação de empresas que não são viáveis, além de trazer problema econômico-financeiro, também traz a falta de confiança no mercado, uma vez que a recuperação das empresas estaria desacreditada, visto que qualquer empresa poderia participar desta sem ter o menor resquício de condição e segurança.

Pugliesi expõe, no mesmo sentido, a confiança que existe no âmbito da recuperação, o que também sustenta, desta forma, a necessidade da viabilidade:

É por isso, como já dissemos, que no âmbito da recuperação judicial não é apenas a relação débito-crédito que está em jogo, mas a confiança inspirada nos credores de que, após o sacrifício que experimentarão como resultado do plano, o devedor estará apto a: (i)continuar a desenvolver suas atividades econômicas de forma saudável; e de (ii) manter (ou retomar) suas relações negociais com seus parceiros-credores; (iii) ao mesmo tempo em que gerará recursos para efetuar pagamentos do passivo sujeito a recuperação judicial.
Ora, essa análise da viabilidade e a consequente concessão ou não da recuperação, ajuda a construir um mercado mais polido e um respeito mais sólido por este. Bruno Marques Bensal Roma traz a baila seu posicionamento no que se refere à limpeza realizada no mercado através do mecanismo da falência:

Com efeito, a decretação da falência no modelo brasileiro tem por objetivo o saneamento do mercado, eliminando empresários e empresas insolventes, ceifando do mercado esse elemento de desequilíbrio, e assegurando um tratamento igualitário relativo (à categoria de crédito) entre os credores, a denominada par conditio creditorum.
Continua Roma:

As discussões, em verdade, giram em torno de questões afeitas ao processo de recuperação judicial, como v.g., o teor dos planos apresentados e a atuação de todos os atores processuais, em que se inserem as possíveis deturpações desse objetivo da lei (como se mostra fortemente possível de ocorrer nos casos de cram down) e, principalmente, a própria viabilidade da preservação a empresa, uma vez que o processo existe justamente para isso: se o agente é prejudicial ao mercado, deve-se retirá-lo dele, evitando que sua situação de crise se agrave e agrave sua posição em relação aos seus credores. É dizer, a preservação da empresa não é um beneplácito do nosso (ou de qualquer outro) ordenamento, a ser buscado para proteger a empresa. Com efeito, o processo de recuperação judicial importa tutela do mercado e de todos os outros centros de interesse que gravitam no universo em que a empresa se insere enquanto atividade econômico-produtiva.
Segundo Fabio Ulhoa Coelho:

Nem toda falência é um mal. Algumas empresas, porque são tecnologicamente atrasadas, descapitalizadas ou possuem organização administrativa precária, devem mesmo ser encerradas. Para o bem da economia como um todo, os recursos – materiais, financeiros e humanos – empregados nessa atividade devem ser realocados para que tenham otimizadas a capacidade de produzir riqueza. Assim, a recuperação da empresa não deve ser vista como um valor jurídico a ser buscado a qualquer custo. Pelo contrário, as más empresas devem falir para que as boas não se prejudiquem. Quando o aparato estatal é utilizado para garantir a permanência de empresas insolventes inviáveis, opera-se uma inversão inaceitável: o risco da atividade empresária transfere-se do empresário para seus credores.
Por fim, Pugliesi acrescenta que “não se pode permitir a permanência de empresas inviáveis no mercado, sob pena de se transferir o risco da atividade, do empresário para seus credores”. Isto posto, entende-se que, através da visualização da viabilidade ou não da recuperação da empresa, ocorre uma limpeza no mercado. Desta forma, permanecerão apenas as empresas que poderão cumprir com sua função social.
Referências:

1-CAMPINHO, Sérgio. O Direito de Empresa: à luz do Código Civil. 13. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. p. 4.
2-A Teoria dos Atos de Comércio foi a teoria levada em consideração no Código Comercial Brasileiro de 1850, que fazia separação entre sociedades civis e sociedades comerciais através da análise da natureza da atividade que era desempenhada, ou seja, observava se a atividade era um ato civil ou ato comercial e assim realizava a classificação da sociedade. Idem.
3-FARIA, Ricardo Rodrigues. A teoria da empresa e empresário individual. 2013. Disponível em: http://ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=13175. Acesso em: 06 de maio de 2019.
4- BRASIL. Código Civil, Lei Nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União. Publicado em: 11 de janeiro de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 26 de novembro de 2019.
5-Apud CAMPINHO, Sérgio, op. cit., p. 11.
6-CAMPINHO, Sérgio. Op. cit., p. 39.
7-Ibid, p. 12.
8-BRASIL. Código Civil, Lei Nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União. Publicado em: 11 de janeiro de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 26 de novembro de 2019.
9-GUIMARÃES, Yuri. Recuperação Judicial das Empresas (Lei nº 11.101/05). 2015. Disponível em: https://menezeseguimaraesadvocacia.jusbrasil.com.br/artigos/196856997/recuperacao-judicial-das-empresas-lei-n-11101-05. Acesso em 18 de abril de 2019.
10- Idem.
11-PEREIRA, Wesley. Aspectos Históricos da Recuperação Judicial de Empresas no Brasil. 2015. Disponível em: https://wesleyalmeidap.jusbrasil.com.br/artigos/251960141/aspectos-historicos-da-recuperacao-judicial-de-empresas-no-brasil. Acesso em: 22 de abril de 2019.
12- Idem.
13- Idem.
14-Idem.
15-Idem.
16-GUIMARÃES, Yuri, op. cit.
17-Idem.
18-Idem.
19-RIBEIRO, Ricardo. Análise da (ir) retroatividade da Lei 11.101/05 sobre as falências decretadas antes da sua vigência. Jusbrasil, 2016. Disponível em: https://limaribeiro83.jusbrasil.com.br/artigos/395373032/analise-da-ir-retroatividade-da-lei-11101-05-sobre-as-falencias-decretadas-antes-da-sua-vigencia. Acesso em: 03 de dezembro de 2019.
20-Art. 192. Esta Lei não se aplica aos processos de falência ou de concordata ajuizados anteriormente ao início de sua vigência, que serão concluídos nos termos do Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945.
21-ALVES, Alexandre Ferreira de Assumpção. A Função Socioeconômica E O Princípio Da Cooperação Entre Devedor E 22-Credores Na Recuperação Judicial. – Revista de Direito Recuperacional e Empresa. – vol. 9/2018 | Jul – Set / 2018., p. 3.
22-PISANI, Carolina Dorneles. A Cobrança Tributária em Face da Empresa em Processo de Recuperação Judicial: Uma Reflexão à Luz de Recente Julgado do STJ e da Edição da Lei 13.043/2014. Revista Tributária e de Finanças Públicas. – vol. 123/2015. – Jul – Ago / 2015., p. 2.
23-GUIMARÃES, Yuri, op. cit.
24-BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Diário Oficial da União. Publicado em: 9 de fevereiro de 2005. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11101.htm. Acesso em: 26 de novembro de 2019.
25-Idem.
26-TJ-MG – Agravo de Instrumento-Cv 1.0477.11.001338-0/001, Relator(a): Des.(a) Sandra Fonseca, Data de julgamento: 20/09/2016,Sexta Câmara Cível, Data de Publicação: 30/09/2016; https://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/ementaSemFormatacao.do?procAno=11&procCodigo=1&procCodigoOrigem=477&procNumero=1338&procSequencial=1&procSeqAcordao=0. Acesso em: 04 de maio de 2019.
27-FARIZEL, Davi. O que é a função social?. 2017. Disponível em: https://davifm.jusbrasil.com.br/artigos/415030798/o-que-e-a-funcao-social. Acesso em: 05 de novembro de 2019, às 00:20.
28-Idem.
29-BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 01 de dezembro de 2019.
30-FRAZÃO, Ana. Tomo Direito Comercial, ed. 1, julho de 2018. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/222/edicao-1/funcao-social-da-empresa. Acesso em 06 de maio de 2019.
31-TJ-RJ – MS 0032941-71.2018.8.19.0000, Rel: Des(a). Carlos Eduardo Moreira Da Silva, Data do Julgamento: 06/11/2018 – Vigésima Segunda Câmara Cível. Disponível em: http://www4.tjrj.jus.br/EJURIS/ImpressaoConsJuris.aspx?CodDoc=3757483&PageSeq=1. Acesso em: 26 de novembro de 2019.
32-TJ-SC, Agravo de Instrumento n. 0150632-73.2015.8.24.0000, de Ipumirim, Relator(a): Des. José Maurício Lisboa, Data de julgamento: 27-02-2019, 1ª Câmara de Enfrentamento de Acervos. Disponível em: http://busca.tjsc.jus.br/jurisprudencia/html.do?q=&only_ementa=&frase=&id=AABAg7AAFAAGoqeAAD&categoria=acordao_5. Acesso em: 26 de novembro de 2019.
33-PUGLIESI, A. V. Assembleia Geral de Credores e o abuso do voto na recuperação Judicial. Revista de Direito Recuperacional e Empresa. – vol. 5/2017. – Jul – Set / 2017., p. 2.
34-ROMA, Bruno Marques Bensal. Par Conditio Creditorum, Cram Down e o Princípio da Preservação da Empresa: A Recuperação Judicial às Avessas no Direito Brasileiro. Revista de Direito Recuperacional e Empresa. – vol. 11/2015. – Set – Out / 2015., p. 7.
35-BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Diário Oficial da União. Publicado em: 9 de fevereiro de 2005. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11101.htm. Acesso em: 26 de novembro de 2019.
36- Apud PUGLIESI, Adriana Valéria. op. cit., p. 3.
37-PUGLIESI, Adriana Valéria. Ibid., p. 4.
38-BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. op. cit.
39-ROMA, Bruno Marques Bensal, op. cit., p. 2.
40-TJ-RJ; Agravo de Instrumento 0058604-22.2018.8.19.0000; Relator (a): Des(a). Myriam Medeiros Da Fonseca Costa; 41-Quarta Câmara Cível; Data do Julgamento: 30 de janeiro de 2019; Data da publicação: 04 de fevereiro de 2019. Disponível em: http://www4.tjrj.jus.br/EJURIS/ImpressaoConsJuris.aspx?CodDoc=3797580&PageSeq=0. Acesso: 26 de novembro de 2019.
41-TJ-RJ; Agravo de Instrumento 0054344-96.2018.8.19.0000; Relator(a): Des(a). MARIA ISABEL PAES GONÇALVES; Segunda Câmara Cível; Data do Julgamento: 30 de janeiro de 2019. Data de publicação: 01 de fevereiro de 2019. Disponível em: http://www4.tjrj.jus.br/EJURIS/ImpressaoConsJuris.aspx?CodDoc=3794240&PageSeq=1. Acesso em: 26 de novembro de 2019.
42- PUGLIESI, A. V. op. cit., p. 9.
43-Idem.
44-TJ-SP – Agravo de Instrumento: 0081342-82.2013.8.26.0000; Relator (a): Enio Zuliani; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Pirassununga – 1ª. Vara Judicial; Data do Julgamento: 29 de agosto de 2013; Data de Registro: 30 de agosto de 2013. Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?conversationId=&cdAcordao=6978851&cdForo=0&uuidCaptcha=sajcaptcha_4552adf125864b29a4eaa86e7e8b9bd1&g-recaptcha-response=03AOLTBLTOYZC4yoqnatLp5fv6Pbeoch8N0DSP1QnM7MGPVUFAlx50cjomBrNb_uiCBV6Qb2y0hGbuxpGrt6Ac7N8wnXHgr5uKfY2KX7kz_IM_AbQi84zexmA4XGuhEUNVFdaRMj2sfhru9Nwgu_AQHyiCttVr7D4hu4fJSval06WMd9XQUY0AfUCO8aDek1s1_r0BH-e15YxWT6iJOpDdI6QvSO7c57wKHdaFw5q4MnZXawMv61wC9nacxrZwpxsocEfQ8j8CmDOh0k5Iz9wgkw0dsMGBZCys-zt7Ic5Q5POS10HuVFudGoJ8vwh2S5JpDFvr2B3BNPLkSS5xYbz4r5OMEZ6fAnSpOMQne4rWnQ3FcymEMT4tI_G8DZTothXQygsjdeBdNnY5803nsa_JWzaq7s6aQfJhKd5tN7mqciQBGCRHX4qXpiDoG3MNjJOlXoJOibecYndoFBrkf7vK63S0bk745AI6NdSHcn70uxvBIaq7Ifs4cH_cvaIrOsvP_R1pXicuy75N. Acesso em: 03 de dezembro de 2019.
45- PUGLIESI, Adriana Valéria. Ibid, p. 4.
46-Ibid, p. 7.
47-TJ-MG – Agravo de Instrumento-Cv 1.0024.16.057905-8/020, Relator(a): Des.(a) Kildare Carvalho, 4ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 07 de fevereiro de 2019, publicação da súmula em 08 de fevereiro de 2019; Disponível em: https://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaPalavrasEspelhoAcordao.do?&numeroRegistro=6&totalLinhas=53&paginaNumero=6&linhasPorPagina=1&palavras=viabilidade%20e%20empresa%20e%20recupera%E7%E3o&pesquisarPor=ementa&orderByData=2&referenciaLegislativa=Clique%20na%20lupa%20para%20pesquisar%20as%20refer%EAncias%20cadastradas…&pesquisaPalavras=Pesquisar&. Acesso em 16 de abril de 2019.
48-TJ RS – Agravo de Instrumento Nº 70079486460, Relator: Jorge Luiz Lopes do Canto; Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, , Julgado em 27 de março de 2019, Publicado em 02 de abril de 2019; Disponível em: http://www.tjrs.jus.br/busca/search?q=cache:www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo.php%3Fnome_comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E7a%26versao%3D%26versao_fonetica%3D1%26tipo%3D1%26id_comarca%3D700%26num_processo_mask%3D70079486460%26num_processo%3D70079486460%26codEmenta%3D8160572+viabilidade+e+empresa+e+recupera%C3%A7%C3%A3o++++&proxystylesheet=tjrs_index&client=tjrs_index&ie=UTF-8&site=ementario&access=p&oe=UTF-8&numProcesso=70079486460&comarca=Comarca%20de%20Erechim&dtJulg=27/03/2019&relator=Jorge%20Luiz%20Lopes%20do%20Canto&aba=juris. Acesso em: 16 de abril de 2019.
49- ROMA, B. M. B., op. cit., p. 6.
50-PUGLIESI, Adriana Valéria. op. cit., p. 7.
51-ROMA, Bruno Marques Bensal. Op. cit., p. 2.

52-Ibid, p. 7.
53-Apud PISANI, Carolina Dorneles. A Cobrança Tributária em Face da Empresa em Processo de Recuperação Judicial: Uma Reflexão à Luz de Recente Julgado do STJ e da Edição da Lei 13.043/2014. Revista Tributária e de Finanças Públicas. – vol. 123/2015. – Jul – Ago / 2015., p. 3.
54- PUGLIESI, Adriana Valéria. Assembleia Geral de Credores e o abuso do voto na recuperação Judicial. Revista de Direito Recuperacional e Empresa. – vol. 5/2017. – Jul – Set / 2017., p. 6. 
Autora: Larissa Campos Barbosa